Ele acordou, colocou os pés pra fora da cama, as vistas embaçadas. Era meio dia, exatamente como ele se sentia com relação a sua vida, estava tudo meio, tudo mais ou menos. "Meu Deus, o que é que estou vivendo? Quando isso vai passar e como cheguei até aqui?". Perguntas demais, respostas? Claro, nenhuma!
A sua vida começou a mudar muito antes do que ele imaginava. Aos 16 já pensava como adulto, estava repleto de traumas e medos. Sabia que a juventudade tinha dessas coisas, sabia que essa seria uma época difícil, mas viver tudo aquilo de uma vez só era mais do que ele podia suportar. Tão cedo perdeu as pernas, não as de carne e osso, mas perdeu a vontade de caminhar pro futuro, de sentir algo novo.
Eu disse de sentir algo novo? Talvez a vontade até ainda existisse, mas a coragem de buscar esse novo não mais, nunca mais. E foram os problemas se alastrando, fazendo-o se perder. Começou com a saudade e terminou com as drogas. Droga de vida! Ora pra chamar atenção, ora por necessidade física, por uma força que forçava suas narinas a respirar mais do que o simples ar. Por que? Essa é a pergunta que ele sempre se fazia.
Tem dias que não passam nunca. Tem dias que voltam todos os dias e rodam, mexem com todo o corpo, eleva a montanha-russa dos seus sentimentos pra cima e pra baixo. A oscilação é tamanha que ele só pensa em atirar tudo pra fora. Todas as verdades, todas as vontades mortas que ele carrega dentro de si, todos esses corpos.
Abre os olhos, não consegue se mover, o corpo moído psicologicamente, quase impossível de se mexer. Chora, reclama pra si, só mais cinco minutinhos, só mais cinco minutinhos... atrasa-se. Na cara a estampa da sua infelicidade, olheiras de morte... de alma, espírito e corpo. Deus, mas há dez anos ele era apenas uma criança, com sonhos e corpo de criança... o que houve? Hoje sente-se uma coisa nojentinha, rejeitada, escarrada e pisoteada.
"Que chegue logo o fim de semana!"
"Que essa dor passe logo!"
"Eu vou explodir, eu vou explodir, eu vou explodir"
Psiquiatras, psicólogos, paranormais. As chances de ser alguém normal esgotaram-se, todos dizem temer por essa coisa ruim que o rapaz carrega consigo. Ninguém sabe dizer o que é. Ele mesmo não sabe descrever. Anda pelas ruas e quer se jogar no trânsito, como folha que cai da árvore em pleno outono. Sente raiva, ódio das pessoas a ponto de desejar a morte e ficar horas arquitetando todos os passos. Atinge picos de euforia, então sai gritando pela casa, pulando, cantando a plenos pulmões. Briga com o cachorro, arrepende-se, chora de remorso e pena, pede desculpas. Clama pro animal nunca o deixar enquanto algo na sua cabeça diz que ele está ficando louco.
Que Deus tenha misericórdia de sua alma, que o perdoe por ter destruído tantos lares, por ter mentido tantas vezes. Foram homens e mulheres, vários os sexos, várias as vontades e formas. Sabia que tinha a pombagira consigo, sabia que não podia beber, nem cheirar, nem chamar o nome dos que já se foram. Mas infrigia tudo isso, fazia questão! Deixou a alma de castigo trancada na penumbra do seu quarto, quando voltava era apenas pra lamentar tudo o que tinha passado, as burradas da vida, as decisões mal pensadas e os elos perdidos.
A vizinhaça o olhava torto, mal dizendo, torcendo o nariz e amaldiçoando. Eles sabiam que o ex-menino, o ex-querido, trazia Satanás nas costas e o peso de ter aceitado, de ter rumado pra um caminho sem volta. Seus melhores amigos eram Tina e Michel, um travesti e um traficante. Conhecia todos os guetos, todos os rostos, inúmeros segredos, sabia de todos, mas todos mal o enxergavam... vagava sozinho atrás de doses baratas de cachaça e alguém que o ouvisse confortavelmente enquanto inventava mentiras e as jogava pra fora sonoramente aos quatro ventos.
Tudo parecia agora tão distante, tão irreconhecível. Durante a semana era o Sr. Introspectivo, escondido entre suas carteiras de cigarro e mau humor aparente. Nos finais de semana era um devasso, que se acabava ingerindo gente e substâncias nocivas... não só pro corpo como pra vida e pra sempre. Chegava de manhã engatinhando para dentro da cama com os pés sujos de pecado, as mãos cheirando a sexo e a vergonha de mais uma vez ter vendido seus horizontes. Prostuía-se, sim! Mas não por mal ou luxuria, só estava atrás de ter pelo menos 10 minutos de contato com alguém que naquele hora fosse apenas seu...
As coisas aconteciam, quando menos se deu conta já tinha barba... ou pelo menos uma coisa que insistia em nascer pela face. Começou há cinco anos e não tinha data pra terminar, pra ser mais exato nunca terminaria. Porque os rumos foram de coração e o que é feito pelo coração dificilmente pode ser mudado depois, pelo menos era nisso que Tony acreditava. Engraçado, nesse mundo tão cheio de oportunidades para se lutar e acreditar... o rapaz não queria e não fazia nada. A única coisa que ele dizia acreditar era numa frase idiota de seu autoria, que mais parecia título de comunidade do orkut.
Engraçado como as coisas tomam um rumo completamente ambígüo e inesperado nas nossas vidas. Trágico como ele sentia-se só e insistia na auto-destruição. Só! Tony, chamava-se Tony G. Alves... de criança boa a demônio de asas, de vítima a réu. Você tem o direito de permanecer calado, você tem direitos. Você tem alma, essência, odores e aflições. Você tem tudo pra dar errado, tem todos os males, todas as ofensas e infernos.
Você, Tony, tem tudo, tudo o que ninguém quer, tudo o que não se oferta, o que não se deseja nem para o inimigo... e por ser assim, você foi condenado pela cúpula a padecer no corpo de alguém que não sabe quem é e muito menos o que quer. Você é um de nós, o que dizem por aí que é ser normal. Se normal é ser livre de culpa, então és normal, porque com tanta desgraça e apatia, eu o absolvo de toda a mácula. Eu o trago pra dentro de mim com a promessa de cultivá-lo até que suas asas fiquem firmes o bastante para alçar vôo. Eu o amo, amém!
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